quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

novembro 2006

quinta-feira, 30 de novembro de 2006

ASSÉDIO EM SÃO PAULO

Almiro Zago

Se há uma coisa que decididamente não sou é assanhado. Mesmo porque a cara não ajuda, como sinto da imagem que muitos fazem de mim. Ainda não avaliei se isso que pensam a meu respeito é algo de bom, que aproxima, ou se funciona contra os meus desejos de aceitação no meio social. Mas já sei que, se nos classificados procurarem alguém de ar circunspeto, respeitável, posso me apresentar, certo de aprovação. Já não me agrada pensar que se "a cara não ajuda" é por causa da sisudez, - essa palavra antipática bem ao jeito da expressão facial que representa.

Isso dito, confesso que há tempos uma dúvida me persegue: se fui visto com cara de circunspeto, de sisudo, ou outra não catalogada num episódio de assédio que se deu comigo em de São Paulo. Claro, a resposta seria muito útil, pois com ela poderia orientar-me a respeito do tipo de ajuda a procurar: analista, "personal training", cirurgião plástico...

Mas o fato me aconteceu ainda pelo começo do ano. Foi numa das últimas manhãs de janeiro, em elevador de edifício residencial. Pois lá, no décimo terceiro andar, entrei na cabina como único passageiro. Premi a tecla "desce" e, obediente, o elevador se pôs em movimento.

Dois ou três andares abaixo, deu-se a única escala. Então, sorridente, com certa elegância, entrou uma mulher, falsa loura, alta, perto de cinqüenta anos. Cumprimentou-me com explícito entusiasmo e largo sorriso. Logo, colocou-se de costas para a porta, indisfarçavelmente de frente para mim. E me olhava. Devo ou não devo corresponder, eis a questão. Instantaneamente, o juízo entrou em cena: avô estreante, bom pai, no dizer da mãe de meus filhos, muitos anos de casamento, deveria, por certo, observar a discrição. Nada difícil.

E, todavia, a fera estava ali, parecia pronta para saltar sobre a presa. Eu, indefeso e intrigado. Afinal, o que essa assanhada vira em mim tão de repente?

Ela não perdeu tempo, num segundo, foi lançando o surpreendente pretexto de conversa:

- Foi você que trouxe esse cheirinho bom pra cá?

Com certo espanto, num instante, achei que pudesse ser alguma ironia, pensando que, involuntariamente, eu tivesse liberado algum mau odor. Essa idéia ficou superada ao perceber que, de fato, havia um cheiro bom no elevador. Aí, com a secura possível, deixei sair a resposta:

- Não, não fui eu.

Longe de desconfiar de que não estava agradando, de sorriso incontido, a mulher foi em frente:

- Ah!, mas que bom seria se a gente pudesse levar esse agradável perfume com a gente...

- É.

E o elevador demorando a chegar.

Finalmente, o painel indicou o térreo.

Cerrando a expressão, um tanto desapontada, a atrevida virou-se para a saída, e despediu-se com um esperançado tom afetuoso:

- Até logo, querido!

E foi-se rumo à portaria, não tão devagar que pudesse dar a entender que estava dando maior bandeira ainda, nem tão depressa que não pudesse ser alcançada. Só me faltava que fosse.


sexta-feira, 24 de novembro de 2006

WEBLOG E JORNALISMO

Marco Antonio Poglia

Um dos grandes avanços que me foi proporcionado ao fazer parte desse blog foi tomar conhecimento da existência desta ferramenta. Utilizada de mil e uma maneiras e com diversos objetivos, a práxis jornalística é que me desperta maior interesse. Ainda não me acostumei com a idéia de trocar o papel pela tela, mas a internet tornou possível que você levante de manhã - faça o chimarrão - e imprima seu próprio jornal. E que ao abri-lo encontre notícias, fatos concretos, posições definidas.

Fala-se no meio jornalístico que a notícia ocorre quando o homem morde o cão, porém é disseminada a falsa recíproca que recheia a imprensa brasileira de homens já estraçalhados por dentes caninos. E no Brasil, onde as grandes mídias nativas estão concentradas nas mãos de algumas famílias, o que ocorre é a editorialização das notícias sob o véu da imparcialidade. Esta última utilizada de escudo para a defesa de interesses próprios e dos seus anunciantes, ficando a posição do jornalista muitas vezes represada pelo patrão que "fiscaliza" o poder do qual faz parte. Constituem a "imprensa marrom" brasileira.

Não fosse o jornalismo tratado dessa maneira grotesca, o assunto não me despertaria maior interesse. Mas não me atrai a idéia de ser complacente com esta banalização que se tornaram os noticiários brasileiros. Àquele que se pretende informado, é preciso sair à cata de notícias, separando o joio do trigo. Aí é que entram os weblogs.

Hoje em dia, através desses blogs, juntamente com outros sites de jornalismo e opinião, temos a oportunidade de acessar notícias (literalmente) que não veiculam nos jornais. E é possível acompanhar os pontos de vista de grandes jornalistas, entre outros profissionais, que muitas vezes não tem espaço garantido nos meios de comunicação a que temos acesso. Estão disponíveis na internet personalidades como Mino Carta, Paulo Henrique Amorim, Walter Galvani, Luis Nassif, Alberto Dines e o Observatório da Imprensa, Emir Sader, Boaventura de Sousa Santos, e tantos outros.

No quesito jornalismo, sou discípulo de Mino Carta. O jornalismo de qualidade baseia-se em três princípios: fidelidade canina à verdade factual, exercício desabrido do espírito crítico e fiscalização diuturna do poder, onde quer que se manifeste. Uma vez respeitados esses três pilares, tomar uma posição clara e definida em relação ao fato noticiado não constitui desvio de ética. É antes disso sua função.


terça-feira, 21 de novembro de 2006


ALIENADA ESTUPEFAÇÃO

Américo Conte

Estava absorvido escrevendo um conto, considerando-me o máximo pela criatividade e desenvoltura com que fluía a estória.

O orgulho apoderava-se de mim e uma narcótica satisfação inflamava meu devaneio, quando um miado despertou-me de meu torpente estado.

Acorri à janela e vi Zenaide, nossa gata amarela de estimação, estirada na calçada amamentando seus dois filhotes, tão belos e fofos como dois novelos de lã.

Ergui o olhar e um Bem-te-vi pousado na Mangueira em frente, me observava como se estivesse muito surpreso a estranhar a minha cara apalermada e a indagar para si mesmo sobre que ser mais estrambólico seria aquele extasiado com um fato tão corriqueiro.

Tomei então consciência do ridículo da situação em que me engolfara e percebi que a beleza e a vida se manifestam melhor e mais pujantes em um simples miado do que em um conto ou qualquer outro artifício forjado pela mente humana.


* JANEIRO DE 89 *


quinta-feira, 16 de novembro de 2006

PRATA

Isabel CCarvalho

Eu tinha horror a cachorros. Eu tinha pavor de cachorros.
Aliás, eu tinha horror e pavor de cachorros e donos de cachorros.
Juntos!

Eu nem sabia quem era pior: o dono ou o cachorro.
O cachorro me pulando, me arranhando, me lambendo, me rasgando, me rosnando, me enfrentado ou o dono do cachorro, meu amigo, me beijando, me abraçando e afirmando:
- o "coitadinho" não faz nada, é um anjo.
Anjo era eu a respeitar e não matar o próximo: o tal amigo.
E o inimigo: o tal cachorro.
Juntos!

Até que, um dia, fui obrigada pela família a aceitar um cachorro em minha vida.
Meu lado querubim de rebeldia, vingança, teimosia, foi buscar a irmã caçula do cachorro. Para viverem fraternalmente. Juntos!

Desastre total: incompatibilidade fraterna.
O cão másculo foi despachado e nem olhou para trás ao se despedir da
família e menos ainda da irmã canina.
E a pequenina ficou para um "test drive" de adaptação,
sujeita à doação irreversível em caso de má "cãoduta"!

E o milagre da superação aconteceu .
A cachorrinha me conquistou: pulando, arranhando, lambendo, me rasgando, me rosnando, me enfrentado...me encantando.
Virou "Prata", porque "Ouro" já existia: minha filha.
E conquistou a todos.
Juntos!

A Prata é linda, carinhosa, generosa, amorosa,
esperta, inteligente, manipuladora e "Oh Céus", onerosa!

Só temos um problema eu e Prata: temos horror a cachorros sem guia...
Aliás, pavor e horror a donos e cachorros sem guias...
Ou melhor: cachorros e donos sem guias e sem rumos.
Juntos!

Aprendi a lição da superação mas não perdi o bom senso quando recebo amigos.
A Prata já está adestrada. Só pula, arranha, lambe, rasga, rosna, enfrenta,
se tiver consentimento.
E mais uma vez tive a certeza de que podemos nos superar sempre, "pra cachorro" ...
Juntos!


quarta-feira, 8 de novembro de 2006

O GRITO DA ARTE

Camila Doval

O que é isso que acontece no interior das pessoas? O que é isso que nos conduz, move, impele a viver feito loucos, conscientes da finitude de ser; inconscientes da ilimitude do ser? Dentro de nós, um labirinto de portas. Portas abertas e portas fechadas. Portas entreabertas e portas mal fechadas. Ao redor, o caos organizado do mundo, onde tudo se explica, tudo se encadeia, tudo se enquadra no conceito de ação-reação. Pois há ações, dentro de nós, que não correspondem a nada. Que se perdem, prendem, fundem em nossas entranhas.

O que desprende um sentimento incrustado? O que liberta um trauma arraigado? O que cura as feridas da alma? Um livro, um filme, uma música, uma pintura muda e palpável, ali, à frente de nossos olhos, expondo concretamente... Nós.

A arte é um grito. A arte alivia o ser. E não que seja seu objetivo. É, antes, sua conseqüência. Ao "fazer" arte, caçamos em nosso labirinto aquela coisa amorfa que não sabemos definir, que muitas vezes machuca, corrói, dói e arremessamos para fora. Não para nos livrarmos dela. Não, jamais nos livraremos dela. O que tentamos, em desespero, é enxergá-la cara a cara, ao menos uma vez. Só pra saber como ela é. Só para poder possuí-la novamente, agora com o aval do mundo.

A arte não ultrapassa o homem; o homem resiste na arte. Pois nada mais eterno que a dor solidificada.


segunda-feira, 6 de novembro de 2006

OS SINOS DE NOTRE-DAME

Almiro Zago


Tenho a impressão, às vezes, que as paisagens mais famosas e conhecidas mundo afora tornaram-se comuns. E isso por causa da constante presença delas em imagens na televisão, em filmes e nas mais diferentes publicações. Parece que os lugares retratados em cartões postais, inclusive os mais cobiçados, já seriam nossos velhos conhecidos.

E, então, para que ir até eles? Primeiro, poderia ser pelos mesmos motivos que vamos aos lugares de que gostamos em nossa cidade, em nosso pequeno mundo. Depois, vem o desejo de conhecer de perto outros modos de vida, de usufruir bens culturais não disponíveis onde vivemos.

Ah, mas fascinante mesmo é a gente sentir-se na paisagem dos postais, perceber a vibração de tudo o que está à volta: os sons peculiares, o ir-e-vir de pessoas falando diferentes idiomas, a arquitetura dos prédios, as ruas e avenidas.

Bem, se o cartão postal é de Paris... Vive-se quase em estado de graça num ambiente que tem história e cultura seculares. E uma cidade que funciona, num país onde a educação transparece a todo momento.

Mas, hoje, diria porque o destino assim quis, estou outra vez na Cidade Luz. E, agora, aqui do alto da Torre Eiffel contemplo um dos mais lindos panoramas urbanos do Planeta. Junto a mim, invisível aos demais, um guri de 14 anos arregala os olhos. Aquele, eu lhe aponto, é o Arco do Triunfo de l'Étoile. Lembras das ilustrações do livro de francês e dos comentários entusiasmados da professora? Aquela moça fina, recém chegada de um curso em Paris? Sim, Paris, naquele tempo, para ti, tão distante quanto a Lua.

Embevecido, o guri a tudo observa ao alcance da vista, e com alegria incontida vai identificando a Praça da Concórdia, o Museu do Louvre, a branca Igreja do Sacré Coeur, a Avenida de Champs Elysée, o rio Seine e seus "bateaux", o Pantheon, a Catedral de Notre-Dame... Lá se foram quase 50 anos. E aquele guri, trabalhador e estudante de curso noturno, ainda vive no coração do sexagenário de hoje. E lhe passa emoção; mantém acesa a chama da esperança e reaviva antigas lembranças.

Agora, já estou pronto para descer das nuvens, ou melhor, da Torre e pelo elevador. Reanimado para em boa companhia curtir esta cidade, suas calçadas, seus cafés; admirar as grandes obras de arte do Louvre e do Museu d'Orsay. Visitar Giverny para conhecer a casa e os jardins de Claude Monet. E, de volta, chegar pelas cinco da tarde em tempo de ouvir o repicar dos sinos de Notre-Dame, e deslumbrar-me com os coloridos vitrais da antiga e bela Catedral à luz do entardecer.

(De anotações de 26.09.06)

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