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Ganhos e Perdas
Almiro Zago
Mais do que o nome do livro de Lya Luft, em ordem inversa, o título acima diz da sorte cambiante em episódios da vida da gente.
Pois, há mais de três anos, estive em Possagno, cidadezinha italiana nas bordas do maciço do Monte Grappa, não longe de Treviso e Veneza. Lá, conheci a Gipsoteca e o Museu Antônio Canova - grande escultor e pintor neoclássico que viveu entre 1757 e 1822.
Tenho um carinho muito especial pela gipsoteca e o museu, além de tudo o que representam, por um particular motivo: quando fui conhecê-los cheguei, involuntariamente, ao final da tarde e no exato instante em que cerravam-se as portas. Enquanto procurava assimilar a perda, o meu anfitrião, ao celular, conseguia a permissão do diretor para o meu ingresso, com a justificativa de que, se não fosse naquela hora, nunca mais teria eu a oportunidade de conhecer a Gipsoteca de Canova. E, assim, em alguns minutos, estava em visita a portas fechadas.
Encantei-me com as muitas esculturas, modelos ou cópias em gesso, trazidos do estúdio romano para a terra natal de Canova, após sua morte. Um modelo, porém, cativou-me para sempre: o conjunto das Três Graças, representando o abraço das deusas Aglaia, a claridade; Talia, a amiga da vida; e Eufrosina, o sentido da alegria. Seriam as cárites da mitologia grega. Dizia a cartela descritiva que "numa feliz modulação dos corpos, suas cabeças inclinam-se amorosamente uma na outra. A suavidade das carnes e a doçura dos ágeis corpos fazem deste trabalho uma das mais famosas obras-primas canovianas."
Não admira que muitos estudiosos e conhecedores da dificílima arte do cinzel considerem ter o talentoso escultor alcançado o ideal do belo com as Três Graças.
Se a peça de arte que me fascinou - mais não era do que o modelo em gesso da que foi esculpida em mármore, o que seria, então, a obra prima no branco mármore de Carrara?
Logo, soube que essa escultura pertence ao Museu Ermitage, de São Petersburgo. Admirá-la ao natural? Nunca, foi o que pensei, pois planos não tinha e, ao que me parecia, nem possibilidades de ir à Rússia.
Bafejado pela brisa da sorte, meio incrédulo, encontrei-me, recentemente, a passear pelas avenidas e canais, pelo Rio Neva e suas ilhas que formam São Petersburgo. Na antiga capital dos Czares, curti a emoção da música da Velha Rússia. E conheci os belos templos russo-ortodoxos, como a Catedral de Santo Isaac, a Igreja do Salvador sobre o Sangue Derramado e a Catedral de Pedro e Paulo, onde, há pouco tempo, deram sepultura ao último Czar e sua família, mortos ao início da revolução russa. Sobre um barco de guerra ancorado, vi o canhão que deu o disparo, a senha para o assalto bolchevique ao palácio imperial, em outubro de 1917.
A grande e bela São Petersburgo, que já se chamou Leningrado e Petrogrado, é rica em atrações. E o Museu Hermitage, a mais impressionante. Conhecê-lo razoavelmente demanda muitas horas, vários dias. Já no meu caso, consideradas as contingências de tempo, rendido à realidade, aceitei, como todo meu grupo, uma visita guiada com um roteiro compacto, mostrando um resumo do imenso acervo e o esplendor das instalações.
Ao final do programa, para ter uma recordação material da ímpar experiência, comprei um livro, contendo reproduções impressas de obras de arte representativas de autores mais reconhecidos.
Mal sabia que a brisa da sorte mudara de rumo.
De volta a casa, já passados uns 15 dias, minha mulher, insinuando desagradável notícia, sugeriu-me que examinasse o livro do Ermitage. Foi o que fiz. E, à página 127, ofuscou-me a vista o mármore branco das "Três Graças" de Antônio Canova!
Quem sabe a sala da escultura não estivesse no roteiro da visita guiada, ou, quiçá, por lá tivesse passado sem me dar conta, ou, pior, por ter-me esquecido... A decepcionante verdade, porém, dizia que o meu olhar não pousara sobre o "capolavoro" do grande mestre italiano.
Achegou-se, então, o sentimento de perda e, com ele, a dura revelação: agora, sim, deveria dizer que nunca verei as Três Graças em mármore branco.
E, imaginem, fiquei sem graça.
Outubro 2008
Um comentário:
Lendo seu texto ficamos com vontade de visitar a Itália, a Rússia e admirar "in loco" tudo sobre Canova...do Veneto ao Hermitage..
Pedro e Clara Albath
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