Almiro Zago
Faz algum tempo, andei lendo belos textos de
escritores famosos contando, com inteligente senso de humor e aquela fina
ironia, fatos que os despertaram para a velhice chegando.
Agora, talento e qualidade à parte, não soube de
nenhum dos autores ter vivenciado um feito tão insólito quanto o ocorrido a
certo aprendiz de cronista, forçando-o a reconhecer-se na fase do natural
declínio do corpo e da mente.
Pois no friozinho da manhã soavam rápidas as
passadas em minha direção. Era um tanto perturbador o que ouvia, assim, como se
alguém me quisesse alcançar. Os
apressadinhos toques nas pedras do passeio denunciavam passos de salto alto.
Em pouco, vulto em aproximação se fazia perceber; um
pouquinho mais, e um par de pés sobre dez centímetros de taco fino ia me
deixando para trás. Ainda que de tênis estivesse, meu caminhar mais não rendia,
salvo sensações bem conhecidas pelos vencidos de Gre-Nal.
Certeza nem tenho, mas pode ter acontecido lá pela
entrada dos meus 70. Todavia, guardo o registro de ter sido essa a causa que,
definitivamente, me levou a admitir: estou ficando velho, o que para você,
talvez, novidade nem fosse.
Eppure sono contento, no entanto, estou contente,
como diria a voz de Edoardo Vianello em “O
mio signore”, canção italiana dos anos 1960, acessível via
Internet. Obviedades fora, só envelhece quem vive, ou melhor, sobrevive nesta
realidade assinalada por fortes traços de barbárie, a despeito dos fantásticos
avanços científicos e tecnológicos.
Outros sinais, não decifrados, me haviam chegado
anteriormente, como aquele revelado neste mesmo blog na crônica Senhor,senhor. Porém, nada com a força persuasiva do caso aí de cima.
Ah, em tempo!, o lado bom existe, sim, e o que mais
enternece o coração e amacia o viver
chama-se netos.
Sem aviso, soube por intuição que nas faixas da
terceira idade há rituais a observar. Em atenção a um deles, enfrentei, no
recente abril, as cataratas, não as do Iguaçu, nem a cascata de Galópolis, mas
aquelas dos olhos, um procedimento cirúrgico inescapável para muitos dos
enquadrados nesse estágio.
Por obra dessa intervenção médica e
pelas maravilhas da ótica,
ou óptica?, passei a enxergar, a ver tão
bem como se fora o adolescente sonhador.
Mas em vista de meu desdém por um indiscreto efeito
colateral, descuidei do preparo
psicológico e fragilizado compareci ao pouco amável confronto no espelho —
entre o novo no olhar e o velho na figura…
Eppure, estou contente!
***
Maio de 2015
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