quarta-feira, 20 de maio de 2015

Ah, se o espelho ajudasse

Almiro Zago

Faz algum tempo, andei lendo belos textos de escritores famosos contando, com inteligente senso de humor e aquela fina ironia, fatos que os despertaram para a velhice chegando.

Agora, talento e qualidade à parte, não soube de nenhum dos autores ter vivenciado um feito tão insólito quanto o ocorrido a certo aprendiz de cronista, forçando-o a reconhecer-se na fase do natural declínio do corpo e da mente.

Pois no friozinho da manhã soavam rápidas as passadas em minha direção. Era um tanto perturbador o que ouvia, assim, como se alguém me quisesse alcançar. Os apressadinhos toques nas pedras do passeio denunciavam passos de salto alto.

Em pouco, vulto em aproximação se fazia perceber; um pouquinho mais, e um par de pés sobre dez centímetros de taco fino ia me deixando para trás. Ainda que de tênis estivesse, meu caminhar mais não rendia, salvo sensações bem conhecidas pelos vencidos de Gre-Nal.

Certeza nem tenho, mas pode ter acontecido lá pela entrada dos meus 70. Todavia, guardo o registro de ter sido essa a causa que, definitivamente, me levou a admitir: estou ficando velho, o que para você, talvez, novidade nem fosse.

Eppure sono contento, no entanto, estou contente, como diria a voz de Edoardo Vianello em “O mio signore”, canção italiana dos anos 1960, acessível via Internet. Obviedades fora, só envelhece quem vive, ou melhor, sobrevive nesta realidade assinalada por fortes traços de barbárie, a despeito dos fantásticos avanços científicos e tecnológicos.

Outros sinais, não decifrados, me haviam chegado anteriormente, como aquele revelado neste mesmo blog na crônica Senhor,senhor. Porém, nada com a força persuasiva do caso aí de cima.

Ah, em tempo!, o lado bom existe, sim, e o que mais enternece o coração e amacia o viver  chama-se netos.

Sem aviso, soube por intuição que nas faixas da terceira idade há rituais a observar. Em atenção a um deles, enfrentei, no recente abril, as cataratas, não as do Iguaçu, nem a cascata de Galópolis, mas aquelas dos olhos, um procedimento cirúrgico inescapável para muitos dos enquadrados nesse estágio.  

Por obra dessa intervenção médica e pelas maravilhas da ótica, ou óptica?, passei  a enxergar,  a ver tão  bem  como  se fora o adolescente sonhador.

Mas em vista de meu desdém por um indiscreto efeito colateral, descuidei  do preparo psicológico e fragilizado compareci ao pouco amável confronto no espelho — entre o novo no olhar e o velho na figura…

Eppure, estou contente!    

*** 

Maio de 2015  



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