terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Adivinha quem gosta de ler?

Almiro Zago
"A leitura engrandece a alma." (Voltaire)
"A leitura nutre a inteligência." (Sêneca)

Ruínas da Biblioteca de Celso, em Éfeso, Turquia


Se existe uma coisa que eu não possa imaginar é viver sem leitura. Ler livros, jornais, revistas, ou publicações eletrônicas, e isso nem novidade é, fortalece a contínua ligação com a vida, com o mundo exterior. Pensando bem, ler não seria um ato de liberdade, de independência?

Sem distinção de gênero literário, parece-me seja o livro o que mais fascina e encanta o leitor. Seu imaginário o leva a visitar gentes e paisagens desconhecidas e a descobertas, como a de Fernando Pessoa: "Descobri que a leitura é uma forma servil de sonhar. Se tenho de sonhar, porque não sonhar os meus próprios sonhos?"

Freqüentemente, ouve-se falar da solidão, infelicidade de muita gente. Porém, o amante da leitura desse mal não padece. E, também, entende que "é preferível e muito mais enaltecedora uma solidão povoada de lembranças do que uma promiscuidade física opaca e insignificante, ouvindo palavras vazias, inúteis", segundo Delmino Gritti, no ensaio "O futuro do passado".

Por ser o livro, certamente, o mais amado meio de levar cultura e transmitir idéias, de emocionar e cultivar a sensibilidade das pessoas, sempre se fala em estímulo à leitura, da importância de ler, de facilitar o acesso do povo ao livro. E há quem o faça de maneira muito original, como o poeta Sérgio Vaz, em São Paulo, com o sarau semanal de poesia da Cooperativa Cultural da Periferia, no Bar do Zé Batidão, inclusive com distribuição de livros. Foi o que li na crônica do escritor Ricardo Silvestrin, ZH 4/12/08, que participou de um desses encontros.

Em nosso País, de baixos e humilhantes índices de leitura, vemos muita gente de elevado grau de escolaridade e boas condições econômicas sem afeição pela leitura. Para consolo, encontramos outras pessoas determinadas a ler e que lêem, a despeito de sua parca instrução e limitados recursos. E existem, asseguro, pois em menos de dois meses conheci três desses leitores, como vou contar.

Surpreendi-me, certo dia, em plena cozinha de casa a conversar sobre livros e o gosto pela leitura com a senhora que, na ocasião, prestava serviços domésticos. Contou-me de suas preferências literárias e, inclusive, de já ter lido quase toda a série "As Brumas de Avalon", de Marion Zimmer Bradley. Além disso, vem cuidando de passar aos filhos o amor pelo livro.

Depois, ainda em minha casa, um jovem eletricista cuidava de solucionar problemas de iluminação. Por mero acaso, passei perto dele com um exemplar de "Uma temporada no inferno". E, surpreso, ouvi : "Ah, o senhor está lendo Arthur Rimbaud? Espontâneo, revelou-me razoável lista de livros já lidos e a ler, atento a um futuro vestibular assinalado em seus planos.

Todavia, a surpresa mais fascinante por mim esperava na tarde de inauguração da 54ª Feira do Livro de Porto Alegre. Na Praça da Alfândega, sentei-me numa banca de engraxate, onde era de uma mulher o trabalho de passar graxa e lustrar os sapatos. Puxando conversa, perguntei-lhe se a Feira trazia mais clientes.

- Ao contrário, - respondeu-me. - Agora, as atenções vão para os livros.

Com certa desesperança, confidenciou que gostaria muito de ler "Paula", de Isabel Allende, mas temia que o preço do livro não estivesse ao seu alcance.

Seu encanto pela leitura, disse-me, começara na infância e com "Meu pé de laranja lima", de José Mauro de Vasconcelos.

Bem, de calçados brilhando, fui embora.

Ainda naquela tarde, pude retornar para oferecer a ela, em volume usado, "Paula", da notável escritora chilena.

E aí... brilharam os olhos da engraxate leitora.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Ganhos e Perdas

Almiro Zago



Mais do que o nome do livro de Lya Luft, em ordem inversa, o título acima diz da sorte cambiante em episódios da vida da gente.

Pois, há mais de três anos, estive em Possagno, cidadezinha italiana nas bordas do maciço do Monte Grappa, não longe de Treviso e Veneza. Lá, conheci a Gipsoteca e o Museu Antônio Canova - grande escultor e pintor neoclássico que viveu entre 1757 e 1822.

Tenho um carinho muito especial pela gipsoteca e o museu, além de tudo o que representam, por um particular motivo: quando fui conhecê-los cheguei, involuntariamente, ao final da tarde e no exato instante em que cerravam-se as portas. Enquanto procurava assimilar a perda, o meu anfitrião, ao celular, conseguia a permissão do diretor para o meu ingresso, com a justificativa de que, se não fosse naquela hora, nunca mais teria eu a oportunidade de conhecer a Gipsoteca de Canova. E, assim, em alguns minutos, estava em visita a portas fechadas.

Encantei-me com as muitas esculturas, modelos ou cópias em gesso, trazidos do estúdio romano para a terra natal de Canova, após sua morte. Um modelo, porém, cativou-me para sempre: o conjunto das Três Graças, representando o abraço das deusas Aglaia, a claridade; Talia, a amiga da vida; e Eufrosina, o sentido da alegria. Seriam as cárites da mitologia grega. Dizia a cartela descritiva que "numa feliz modulação dos corpos, suas cabeças inclinam-se amorosamente uma na outra. A suavidade das carnes e a doçura dos ágeis corpos fazem deste trabalho uma das mais famosas obras-primas canovianas."

Não admira que muitos estudiosos e conhecedores da dificílima arte do cinzel considerem ter o talentoso escultor alcançado o ideal do belo com as Três Graças.

Se a peça de arte que me fascinou - mais não era do que o modelo em gesso da que foi esculpida em mármore, o que seria, então, a obra prima no branco mármore de Carrara?

Logo, soube que essa escultura pertence ao Museu Ermitage, de São Petersburgo. Admirá-la ao natural? Nunca, foi o que pensei, pois planos não tinha e, ao que me parecia, nem possibilidades de ir à Rússia.

Bafejado pela brisa da sorte, meio incrédulo, encontrei-me, recentemente, a passear pelas avenidas e canais, pelo Rio Neva e suas ilhas que formam São Petersburgo. Na antiga capital dos Czares, curti a emoção da música da Velha Rússia. E conheci os belos templos russo-ortodoxos, como a Catedral de Santo Isaac, a Igreja do Salvador sobre o Sangue Derramado e a Catedral de Pedro e Paulo, onde, há pouco tempo, deram sepultura ao último Czar e sua família, mortos ao início da revolução russa. Sobre um barco de guerra ancorado, vi o canhão que deu o disparo, a senha para o assalto bolchevique ao palácio imperial, em outubro de 1917.

A grande e bela São Petersburgo, que já se chamou Leningrado e Petrogrado, é rica em atrações. E o Museu Hermitage, a mais impressionante. Conhecê-lo razoavelmente demanda muitas horas, vários dias. Já no meu caso, consideradas as contingências de tempo, rendido à realidade, aceitei, como todo meu grupo, uma visita guiada com um roteiro compacto, mostrando um resumo do imenso acervo e o esplendor das instalações.

Ao final do programa, para ter uma recordação material da ímpar experiência, comprei um livro, contendo reproduções impressas de obras de arte representativas de autores mais reconhecidos.

Mal sabia que a brisa da sorte mudara de rumo.

De volta a casa, já passados uns 15 dias, minha mulher, insinuando desagradável notícia, sugeriu-me que examinasse o livro do Ermitage. Foi o que fiz. E, à página 127, ofuscou-me a vista o mármore branco das "Três Graças" de Antônio Canova!

Quem sabe a sala da escultura não estivesse no roteiro da visita guiada, ou, quiçá, por lá tivesse passado sem me dar conta, ou, pior, por ter-me esquecido... A decepcionante verdade, porém, dizia que o meu olhar não pousara sobre o "capolavoro" do grande mestre italiano.

Achegou-se, então, o sentimento de perda e, com ele, a dura revelação: agora, sim, deveria dizer que nunca verei as Três Graças em mármore branco.

E, imaginem, fiquei sem graça.

Outubro 2008

sábado, 15 de novembro de 2008

Há vida após o casamento (?)

... a continuação de "Saí de casa (?)"

Embora ainda não tenha know how suficiente para discorrer sobre o assunto – visto que meu enlace beira uns dois meses de história – posso me dar o direito de afirmar que há sim, vida após o casamento, pois eis que, caros leitores virtuais, depois do casamento tem a lua-de-mel.

Não houve mudança de nome propriamente dita, continuo oficialmente sendo do meu pai e da minha mãe, pois conforme sempre gritei aos quatro ventos, não sou terreno, ninguém me passa pro nome de ninguém. Mas posso ceder um pouco nesta questão, já que casamento é isso mesmo, ceder daqui e dali (acreditem no que te falam), e aceitar a idéia de que agora a Mulher de Sardas é a Mulher de Sardas do Caio, ou melhor, para não ceder tudo de uma vez, a Mulher de Sardas com o Caio, e fiquem sabendo que isso não é pouca coisa.

A Mulher de Sardas com o Caio acorda e faz um café-com-leite, não toma mais Nescau. Porque o Caio ama café-com-leite, porque fazer café-com-leite é um ritual, porque cheiro de café-com-leite se mistura com os raios de sol que entram pelas janelas de manhã e me enchem de vontade de existir.

A Mulher de Sardas com o Caio continua saindo de casa em cima da hora, porque certas coisas que são nossas-só-nossas devemos manter conosco indiferente à situação, e o que seria da minha individualidade sem a praguejação diária: eu tô atrasada, que merda, eu tô atrasada de novo.

A Mulher de Sardas com o Caio, vejam só, ressuscitou a agenda que compra todo início de ano para preencher a folha de identificação e guardar na gaveta, e anoto tudo, tudinho, superorganizada e consciente das tarefas diárias, marcando oks nas cumpridas com êxito, e o mais surpreendente de tudo, talvez não para vocês, mas para mim, cumprindo todas, todinhas. E eu não vou nem falar das contas, mas só para dar uma idéia, elas ocupam agora apenas meia página de cada dia 5.

A Mulher de Sardas com o Caio chega do trabalho – da selva da cidade grande – pronta para briga, com os dentes arreganhados, procurando sarna para todo mundo coçar e pistas e marcas na casa e no Caio como se fosse tudo uma coisa só e até a casa tivesse autonomia para me trair, simplesmente porque o ciúme é um fato em mim e tudo o que considero meu, na minha opinião, deveria passar o dia inteiro ao meu redor.

A Mulher de Sardas com o Caio sempre acha que o Caio poderia me dar um pouquinho mais de atenção.

A Mulher de Sardas com o Caio continua ganhando colo do pai e da mãe.

A Mulher de Sardas com o Caio fica desesperada porque não cabe tudo num dia (que novidade, não?).

A Mulher de Sardas com o Caio adora quando chega domingo e nós dois podemos ficar namorando na e a nossa casa, que é linda demais, que tem uma cara muito nossa, que todo mundo gosta de ir até pra ficar lá parado olhando, porque as luzes as cores e os perfumes fazem você sair mais feliz do que entrou.

A Mulher de Sardas com o Caio quer ser cada dia mais com o Caio e algum dia, se bobear, ser completamente do Caio, porque meu discurso feminista vai até onde começa minha vontade de não sair mais de dentro daquele abraço, de dormir com o nariz grudado naquele pescoço, de acordar mergulhada naqueles olhos, de caminhar apoiada naquelas mãos, de me enrolar naquela pele toda, que é toda cheiro, toda quente, toda delícia.

E eu não quero ficar me exibindo, mas a Mulher de Sardas com o Caio chega em casa e come os melhores jantares, porque o Caio cozinha bem pra caramba.

Ah, a Mulher de Sardas com o Caio engordou...

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

E tem mais Mecânicos na Feira...

Cordão da Saideira: É proibido proibir

Espetáculo musical celebrando os 40 anos de Maio de 68. Com Cristiano Velasques Hanssen, Diogo Rodrigues Gomes e Marco Antonio Saretta Poglia, um talentosíssimo Mecânico da Palavra.

Quando: 14/11/2008
Hora: 20:30
Local: Tenda de Pasárgada - Leito da Rua Cassiano Nascimento, entre o Memorial do RS e o Santander Cultural - Adulto

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Almiro Zago e Walter Galvani na Feira do Livro


Almiro Zago e suas Mínimas Confissões


Muito gostaríamos que você, leitor habitual ou visitante deste blog, conhecesse a coletânea de crônicas e outras narrativas Mínimas Confissões, na Feira do Livro.

É certo que estará nas bancas da Livraria do Maneco e da Livraria Nova Roma.

E se você estiver muito longe da Praça da Alfândega, acesse o site da editora: www.letraevida.com.br

Os Mecânicos da Palavra e o autor agradecem.

Clique na imagem para ler na íntegra:




Walter Galvani e O prazer de ler jornal - Da Acta Diurna ao blog


O professor e padrinho deste grupo Walter Galvani ministrará, no dia 6 de novembro, às 15h30min, na Sala Arquipélago do Centro Cultural Erico Verissimo da CEEE, a oficina sobre o tema O prazer de ler jornal - Da Acta Diurna ao blog.

Logo mais às 18h30, no pavilhão de autógrafos, lançará seu novo livro, com o mesmo título, editado pela Unisinos.

Compareçam! Os Mecânicos contam com a sua participação.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

O desabrochar



A minha primavera começou esta semana, mais precisamente na terça-feira, 21 de outubro, quando a primeira flor de um dos meus Jasmins desabrochou. Abri a janela e ela estava lá, delicada e perfumada, deu vontade de paralisar o mundo para ter sempre a sensação de paz deste momento doce, quase inverossímil para os dias atuais.

É um desabrochar, um abrir-se para a vida depois de um certo tempo “escondidos”, eu e os Jasmins. Passei por momentos dolorosos que pareciam não ter fim, assim como parecem não ter fim, para os Jasmins, os meses de outono e inverno, uma eternidade. Quando os olhava, neste período, tinha a sensação de que não iriam sobreviver, mas, estamos aqui, nos abrindo.

“...
Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.
...” (Carlos Drummond de Andrade)

Há tempos eu não tinha tanta certeza de que coisas bonitas aconteciam ao meu redor, e de que pudessem acontecer comigo ou que eu pudesse desfrutar destas belezas, parecia-me estar cercada de flores prestes a murchar ou totalmente despetaladas, tristes, porém, o Jasmin desabrochou e minha vontade de viver bonitezas também. Pode parecer meio romântico, sonhador, mas quero ver colorido, mesmo que minha flor “pareça” branca.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Quando apitavam as fábricas

Almiro Zago


Crônica publicada no semanário "Tempo Todo", de Caxias do Sul, edição de 3 de outubro.


Sim, houve um tempo em que havia fábricas com apitos em Caxias. Quem se lembra? Era esse o costume das fábricas com muitos empregados e que dispunham de vapor de caldeira para acionar o instrumento sonoro. Claro, servia para assinalar a aproximação e o começo, o intervalo e o final dos turnos de trabalho. De lambuja, ajudava a fortalecer a imagem das indústrias, tanto que muita gente sabia identificá-las pelo seu apito característico.


Dos primeiros anos 1950, soa na minha lembrança o apito da Gethal, empresa estrangeira fabricante de compensados, e que emprestava o seu nome ao bairro onde funcionava, o atual São José. Potente e grave, fazia-se ouvir em quase toda a zona urbana e arredores de acordo com as condições de vento, como se fosse um grande navio a zarpar do porto. Ou mil touros enraivecidos mugindo ao mesmo tempo, como repetia um vizinho meu. Muitos caxienses controlavam o correr do dia por meio da pontualidade britânica dos sete toques do apito da Gethal, entre seis da manhã e dez da noite.


Depois, no rumo do centro da cidade, na Rua Moreira Cezar, era a Tecelagem Marisa, a convocar pelo apito seus empregados, mulheres em sua maioria. Pela manhã, por exemplo, o faziam soar por três vezes entre sete e quinze e sete e meia. O seu som, embora nem fosse muito forte, parecia um coro feminino de vozes roucas a boca "chiusa".


Nas imediações daquela fábrica de tecidos, mas na Rua Visconde de Pelotas, onde ultimamente vem funcionando um serviço do INSS, a firma Bebidas Marumby lançava ao ar o seu sinal. Aos meus ouvidos chegava como prolongado mugido de vaca no pasto.


E logo acima, a três quadras da Praça Dante Alighieri, em lugar atualmente ocupado por dois grandes supermercados, operava com sua alta chaminé a Cooperativa Madeireira Caxiense. Se o apito da Tecelagem Marisa lembrava vozes femininas roucas, esse da Cooperativa estava mais para coral de barítonos roucos a todo o volume.


Sem graça, mesmo, em agudo metálico, rasgava o espaço o silvo da Industrial Madeireira, na Marechal Floriano com Antônio Prado.


Outras indústrias havia que utilizavam o sistema, porém a minha memória ainda não conseguiu capturar seus nomes e nem sua localização.


Naqueles tempos, inexistia consciência ecológica e a poluição sonora, ao que me lembre, a ninguém incomodava. Aliás, nem eram conhecidas essas expressões.


Mas o fascínio maior viria com o marcante apito do trem.


À tarde, pelas quatro e meia, a densa fumaça escura expelida pela chaminé anunciava a sua chegada lá pelos fundos do quartel do Exército. E quando se aproximava da Avenida Rio Branco, que iria cruzar, repetidos apitos de alerta precediam a locomotiva a puxar os vagões rumo à Estação Ferroviária.


Tudo passa, diz antiga máxima.


De há muito Caxias do Sul não sabe o que seja o apitar de um trem. E aquelas fábricas e seus apitos silenciaram para sempre.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Saí de casa (?)


Como é que se sai de casa?

É estranho, é difícil, é um tanto incoerente. Mas eu saí.

E foi assim, de repente. Claro, não tããão de repente. Eu e o Caio namoramos há cinco anos. Mas namoramos mesmo, sem meio termo. Desde o começo foi coisa feia. Troca de alianças, troca de tatuagens, troca de almas. É sério, de almas. O Caio tem uma coisa de ser o amor da minha vida que não dá pra explicar com palavras. Clichezão mesmo, de livro. Mesmo que ele diga que não, a nossa vida é coisa de livro. Ele diz que eu tenho que ser menos romântica e, um termo novo, recém lançado no repertório dele, hollywoodiana. Right. Sou mesmo hollywoodiana. Eu nasci para brilhar, com muito drama e muito close nas lágrimas. Uma estrela. E agora em novo cenário: a nossa casinha.

Mas eu estava falando sobre sair de casa. Da minha casa, da casa do meu pai e da minha mãe, que já foi em muitos lugares, em outras cidades, às vezes casa, outras apartamento, mas sempre a mesma: o meu lugar.

Faz duas semanas que nos mudamos. Eu fico toda hora pensando em escrever sobre isso. Mas ainda não deu. Eu ainda não entendi direito. Ainda não parece todo real. Eu vou na casa dos meus pais e entro direto no meu quarto. Abro meus armários. Uso a minha escova de dente. Sento no meu lugar à mesa. É o mesmo cheiro. É o mesmo jeito. Tem as minhas cápsulas de vitamina que eu não consigo engolir na geladeira. Tem roupa minha na pilha de passar. Tem o meu pai e a minha mãe e a minha irmã. Tem a minha vida com eles que continua. Às vezes eu penso que acordo lá. Ou sonho. Não sei.

Não estou triste. Estou com saudade. E esta crônica não é para reclamar de nada, nem para ficarem achando que eu não queria sair de casa. Mas não acho errado dizer que eu nunca quis sair de casa. Por que eu iria querer?

Minha casa é o melhor lugar do mundo. E viver com quem se ama faz de qualquer casa a sua casa.

A verdadeira casa.

Ou casas.

Este post não é para escrever sobre a nova vida com o Caio. Eu preciso separar as coisas para poder senti-las realmente. Este post é para exorcizar o meu sair de casa. Tanto que temi, tanto que ansiei, tanto que chorei por isso desde bem pequena. Eu previa que não seria simples. E eu preciso viver isso. Todos os dias eu quero voltar para a minha casa. E não só para a casa. Eu quero voltar no tempo. Eu quero ser mais um pouco deles. Este post é pra falar sobre isso. Sobre o quanto quero ser para sempre do meu pai e da minha mãe.

No próximo eu conto sobre como é ser do Caio. E finalmente minha.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Nem só de bacalhau vive a Noruega

Almiro Zago



Desconfio que ninguém vai à Noruega apenas para comer o seu famoso bacalhau. Coisas muito mais interessantes e atraentes há para conhecer e admirar nesse país escandinavo, a começar pelas paisagens montanhosas, os lagos e os seus espetaculares fiordes.

Apenas para reavivar a memória, segundo dizem os textos de geografia, fiorde é uma grande entrada de mar, comprida e profunda, em volta de altas montanhas rochosas, cavada pelo gelo durante a era glacial. E tem mais: os fiordes da Noruega foram declarados Patrimônio da Humanidade.

Conhecê-los é como entrar em estado de graça. Para isso, uma boa e econômica maneira de vê-los, - durante o verão nórdico, por suposto -, é ir em ônibus de turismo e curtir todo o fascínio de subir e descer montes, margeando os fiordes, por estreitas e, às vezes, temerosas estradas. E pode dar-se a surpresa de topar com a prosaica cena de ovelhas a repousar sobre o asfalto, desafiando os motoristas.

Depois, imperdível é o navegar ao longo deles, vivendo a rara emoção de sucessivas vistas deslumbrantes, como aquelas proporcionadas pelos fiordes Sogner e Hardanger. De suas sinuosas margens, elevam-se montanhas de íngremes encostas rochosas, invariavelmente com a teimosa presença do verde.

Há quem diga seja a Noruega o país mais rico do mundo, às custas da renda auferida com o gás natural e o petróleo extraídos de campos no Mar do Norte. Um sinal disso seriam os quarenta e dois túneis, pequenos, médios e grandes, que abreviam o caminho de quem por estrada deseja chegar à encantadora Bergen, junto à baía por onde comunicam-se vários fiordes com o mar. É ela a segunda mais importante cidade norueguesa, embora não tenha mais de 250 mil habitantes.

Eu deveria saber, mas cheguei a Bergen sem me lembrar de que estava na terra natal de Edvard Grieg (1843-1907), o autor da Suite Peer Gynt. E isso me foi jogado na cara durante o city-tour quando conheci a casa onde ele viveu, tendo em frente pequeno chalé com inspiradora vista da baía, refúgio e recolhimento de Grieg para compor suas obras musicais.


Mas se o assunto, ainda, é arte, Oslo pode ser o lugar e com dois excelentes programas. O primeiro, é ir ao Museu Nacional para conhecer e admirar as grandes obras de seu acervo. Todavia, deve o visitante preparar-se para o impacto de ver-se, frente a frente, com "O Grito", a perturbadora tela do também norueguês Edvard Munch. Pintado em 1893, converteu-se, como se sabe, num dos quadros mais famosos do mundo.

Trata-se do Parque Vigeland a outra grande atração, onde tudo é impressionante pela beleza e originalidade. Não sei descrever as esculturas de bronze de Gustav Vigeland (1869-1943) que simbolizam o ciclo da vida do ser humano. Muito menos, o grande monolito com 121 corpos entrelaçados, tendo em sua base o equilibrado conjunto de esculturas nas quais Vigeland perenizou momentos, cenas das pessoas, como se tivesse insuflado vida ao granito esculpido.


Como não partir encantado da Noruega, depois de sensibilizar-se com tudo isso? E, todavia, tem ela muito mais a oferecer, sem falar dos atrativos de inverno para quem curte neve e frio.

Ademais, seu povo é culto e educado, o que se observa pelo domínio, por todos, da língua nacional e do inglês, pelas limpas ruas de suas cidades e lugarejos. Ou através da peculiar arquitetura de suas casas de madeira, belas e bem conservadas como se novas sempre estivessem, particularmente no interior do país.

Bem, voltando ao bacalhau, devo esclarecer que, lá, é peixe fresco. E é bom. Mas, os noruegueses que me perdoem, o "nosso bacalhau da Noruega" é mais saboroso...

terça-feira, 2 de setembro de 2008

A vingança

Almiro Zago

Numa de suas festejadas crônicas, recentemente publicada em seu site, Walter Galvani escreveu que "Não existe nada mais mortal do que a Palavra, sim, um instrumento letal se for usado nesse sentido. Fere e mata, mais do que uma espada, um revólver, uma bomba."

Embora longe de tão dramáticos resultados, pude sentir na própria pele as conseqüências de algo que escrevi com a despretensiosa intenção de um certo humor irônico. Apenas isso. Porém, pelo que depois me aconteceu, foi o bastante para ocultas iras incendiar contra mim.

Tudo começou com "Cenas de Viagens", texto de Isabel Cristina CCarvalho, a 9 de julho inserido neste blog, em que a autora contou um fato sucedido, de certa feita, a ela e sua amiga Marta ao desembarcarem no aeroporto de Schiphol, em Amsterdã. Eram ambas as últimas a sair, seguindo uma senhora robusta e trêmula que, na escada do avião, desequilibrou-se e caiu abruptamente de costas sobre os pés de Marta que também caiu, como num jogo de dominó, sobre as pernas de Isabel, a cronista.

Claro, apanhei o assunto pelo seu lado hilariante e, a pretexto de comentar a crônica, disse alguma coisa sobre o episódio, exatamente com estas palavras:

"Depois do que li em tua crônica, longe de qualquer idéia preconceituosa, passarei a guardar distância de segurança de senhoras robustas e trêmulas ao desembarcar de aeronaves."

Inofensivas palavras, em meu sentir, injúria, porém, à suscetibilidade de outrem, como veremos.

Suspeito, e ainda estou a imaginar, que a causadora do acidente e senhoras em condições semelhantes, sabe-se lá por qual meio feridas pelo texto, e inspiradas pela divindade protetora de mulheres com peculiares características, tenham-se reunido em corrente de energia solidária e vingativa, preparando-me o troco. Deve ter sido algo assim, pois descreio em mera coincidência. E, contudo, não se fez esperar o castigo.

Nem bem completado um mês da minúscula publicação, encontrei-me no grande e movimentado aeroporto de Schiphol, de Amsterdã. Sem a menor lembrança daquele fato e integrado a um grupo de gaúchos, percorria o longo caminho para alcançar o portão de embarque para o vôo que nos levaria a Moscou. No percurso, os usuários podiam andar em esteiras rolantes, o que também fiz. Alguns, como eu, conduziam carrinho para bagagem de mão.

Bem, aconteceu que à minha frente, atrás de seu carrinho, ia uma "certa senhora"...

Tomado pela emoção de ir à Rússia e esquecido da promessa de guardar distância, só adotei a cautela alertado por minha mulher.

Mas como tudo termina, o final da esteira também chegou. E a "certa senhora" não se apercebeu de que a partir daquele ponto deveria empurrar o dito carrinho. Por causa disso, instantaneamente trancou-se a saída, e, num átimo, vi a mulher estirada ao meu lado. Atônito, sem conseguir socorrê-la nem desobstruir a passagem, fui caindo seguido pelos que vinham à retaguarda, pois o chão movia-se sob os pés. Ainda em tempo, alguém desligou a máquina e, susto fora, o drama acabou sem maiores conseqüências.

E, aí, revelou-se a suprema ironia: a nova involuntária causadora de acidente não era robusta e trêmula, mas uma frágil e magra e senhora...

(30.08.08)

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Sardas do mundo


Os Mecânicos se espalham pelos blogs do mundo.

Visite o site sardasdelas.blogspot.com, do português Nuno Ferrao, criado especialmente para homenagear as sardentas do mundo e confira o depoimento da mecânica-sardenta Camila Doval.

O universo virtual brasileiro não é limite para os Mecânicos!

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

todos Doval


Camila Canali Doval

HINO DE URUGUAIANA
Letra e Música de Silvio Rocha

Uruguaiana
Feliz tu nasceste
À beira de um rio
Sorrindo ao luar
Uruguaiana
Cidade alegria
Ouve a melodia
Deste meu cantar
É um canto modesto
Que é o manifesto
Do meu coração
Ele quer adorar-te
Pois tu fazes parte
Do nosso torrão
No jardim de meu país
És também uma flor
O teu povo é feliz
Vivendo neste esplendor
Cidade Fronteira
És toda coberta
De um céu cor de anil
Tens a honra mais bela
De ser sentinela
Do nosso Brasil

Cantaram o Hino de Uruguaiana no velório do meu tio José, irmão do meu pai.

Esse lado da minha família, sobrenome Doval, é de Itaqui, mas mudaram-se quando meu pai ainda era pequeno para Uruguaiana.

Meu avô morreu prematuramente, quando meu pai, o caçula, tinha apenas dois anos. Minha avó ficou com a saudade e dez filhos para criar.

A história da minha família é linda – como a de todas as outras famílias - e talvez um dia eu tenha condições e conhecimento suficientes para escrever sobre ela.

O que posso resumir aqui é que minha avó, Maria Dolores, era uma mulher valente – e apaixonada - o bastante para trocar a vida de madame pela vida de esposa de sapateiro. E meu avô Hiram não viveu para construir algum patrimônio ou proporcionar algum luxo para sua sacrificada esposa. Deu-lhe dez crianças e morreu. E ela - nossa, ainda tenho bem viva a lembrança daquela mulherzinha magrinha de grandes olhos arregalados - tomou-as como o maior presente que poderia receber na vida, e fez delas sua razão, sua força, sua saga. Aceitou uma casa emprestada em Uruguaiana e negou qualquer pedido de “adoção” por parte de tios e vizinhos. As crianças eram suas, todas suas e, no máximo, um dia, seriam do mundo.

Aos poucos, com o tempo, a família migrou para Porto Alegre. Primeiro os mais velhos, depois minha vó, com o seu querido caçulinha, meu pai, de trem.

Aqui todos estudaram. Os que iam se formando iam colaborando com os estudos e com o sustento dos seguintes. Dez irmãos e uma mãe magrinha e gigante. Uma mãe com braços compridos para abraçar todos de uma só vez.

Uma mulher orgulhosa.

Sim, eu tenho muito da teimosia dos Canali, mas tenho praticamente todo orgulho dessa avozinha Doval. Uma mistura pra lá de bombástica, ainda mais se eu acreditar em astrologia e acrescentar um sol e lua em Touro. Eu sou um touro. Mas minha avó era uma tourada. Um rebanho inteiro furioso pronto para se defender e atacar. Seus filhos cresceram ao seu redor. Espalharam-se pela Capital. Construíram o sonho daquela época, daqueles tempos, daquelas vidas.

Os Doval são uma família e tanto. Minha avó morreu na década de oitenta. Doenças mal curadas do tempo em que não havia ela – havia filhos. Há uns dois anos morreu minha tia Rosa. Ontem morreu meu tio José.

Cantaram o Hino de Uruguaiana no seu enterro. Foi lindo. É claro que foi lindo. Não era só uma homenagem ao meu tio querido que carregava a sua cidade no peito, sendo membro ativo da Sociedade Uruguaianense em Porto Alegre.

Foi uma homenagem àquela família inteira. Àquela parte da história do nosso estado, representada ali, na capela 9 do João XXIII. Uma família que faz de um velório o momento de maior amor que já presenciei. Chegou a me passar pela cabeça a triste idéia de que tanta grandeza e beleza não poderia acabar ali, nas paredes frias do João XXIII. Pareceu-me injusto. Até mesmo desleal da parte de Deus. Nos dar oportunidade de ser tanto e então nos tirar tudo, assim, de repente...

Mas não é verdade. Não será o João XXIII a última morada dessa trupe impávida oriunda da fronteira. Não será mesmo.

Na saída do enterro, a nora do tio José segurava no colo a netinha dele. Sábado ela completa um ano.

Minha avó Maria Dolores sempre soube que nem a morte seria páreo para esses Doval.

24.07.08

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Arrivederci, meu cálice de vinho

Almiro Zago



Estive em dúvida se deveria invocar a proteção de Dionísio, o deus grego, ou Baco, dos romanos, para confortar-me nesses tempos de injusta limitação à liberdade e ao conforto de degustar meu vinho. Acabei pedindo os favores de ambas as divindades mitológicas diante da carência de elementos definitivos de que se trate de um só deus com diferentes nomes.

É que esses tem sido dias de provação com alternância de momentos que transitam da ligeira angústia e nostalgia à uma certa indignação.

Vejam, precisei viver muitos anos, a maior parte deles com a amável companhia de tintos, brancos e até rosados vinhos, para sentir a humilhação de ser considerado um perigo para a sociedade ao dirigir automóvel depois de um almoço com uma solitária taça de vinho. Pior, veio uma lei dizer-me isso. E golpeou-me com sentença irrecorrível, ao largo do meu direito de defesa.

Agora, e está escrito, para proteger a sociedade do perigo que eu represento carregando no sangue alguma mínima porção de álcool vínico, devo escolher entre o vinho e o carro. As contingências, ao menos até aqui, levaram-me a uma escolha que, dos meus almoços, vem furtando graça e poesia pela sentida ausência do cálice de vinho. Porém, ninguém pense em dependência ou coisa parecida.

Está certo, dura lex, sede lex - e respeitá-la é preciso, mas impedido não estou de registrar meu lamentoso desagrado ao que a mídia tem chamado de "tolerância zero" ao álcool daquele que esteja ao volante de veículo automotor.

Claro, é essa uma lei nascida de bons propósitos e de generosidade, como escrevi alhures, mas carente de razoabilidade, pois nivela por baixo ao colocar na vala comum gente responsável e moderada, infratores e beberrões. E ao prever severas punições a condutores, mesmo que nenhuma infração tenham cometido, pelo só motivo de levarem no sangue, como seria o meu caso, a quantidade de álcool proporcionada por uma taça da minha bebida favorita, ou que fosse um pouco mais.

E dizer que há alguns anos surgiram respeitadas vozes na medicina anunciando que até dois cálices de vinho ao dia trariam efeitos benéficos ao coração. Vozes outras, da mesma ciência, entretanto, falaram mais forte, como se vê.

Contudo, ofereço meu aplauso à maior severidade da lei, afinal ninguém desconhece os males e as tragédias causadas por motoristas embriagados. Todavia, para alcançar os bons resultados pretendidos, e que já se fazem notar, seria mesmo necessário ir tão longe? E, outra vez, pagam os inocentes pelos pecadores.

Dói escutar, após tanto tempo cultivando o prazeroso hábito do vinho às refeições, sem restrição ao automóvel, que a quantidade de álcool contida numa taça venha a diminuir as minhas condições de dirigir. O desmentido, é a experiência que o traz.

A despeito de tudo, na lei descobri uma vírgula tolerante! Disponho de duas horas de liberdade, por dia, para que eu harmonize vinho e direção: das seis às oito da noite, mas nada de sair depois. Sim, observei a possibilidade de persistência de algum vestígio de álcool no sangue por até doze horas.

Reconheço, cheguei a pensar, por um átimo, na maldição de Dionísio para os motoristas embriagados, causa maior da severidade atual, mas faltou-me espírito de vindita.

E daqui para frente, pelo jeito que as coisas andam, cuidemos do cafezinho, do chimarrão e do chocolate...

15 de julho de 2008

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Se beber não dirija! Escreva ou leia!

(hic)...Um bluóg só meum! (hic) Ninguém escrevi...(hic).

Isabel Cristina CCarvalho

Quer viagem maior e com tantas surpresas do que ler ou escrever?

Para começo de conversa teremos que cuidar o destino das palavras assim como cuidamos dos nossos destinos ao volante, a menos que queiramos sair por aí sem rumo, o que não há problema algum, porque eu mesma já dirigi muitas vezes sem destino, (tá bom, umas cinco vezes) e entendo que é preciso! Em algumas situações estamos emocionalmente tão sem opções para ir a algum lugar que a melhor opção é ir a lugar nenhum mesmo e continuar dirigindo a esmo. Quando o esmo se esgotar dobraremos no quarteirão, voltaremos para casa e tudo ficará normal. E como não iremos mais dirigir e com a certeza de que não sairemos correndo para apagar incêndios, poderemos então abrir sem culpa uma cerveja, um vinho apaixonante ou até um espumante divino se o texto que elegermos for inspirador. Poderemos também dar carona, em nossa viagem de escritas e leituras, a chás aromáticos, chocolates quentes, cappuccinos, sucos naturais, o maravilhoso copo de leite gelado, a água predileta ou as bebidas típicas de cada cultura.

O que importa é ficarmos bem com estas escritas, estas leituras e os sonhos de compartilharmos instantes com pessoas que também prezam estes momentos. Como é bom escrever. Como é bom ler e relacionar idéias, divergências, concordâncias e, sobretudo descobertas.

Que mundo literário belíssimo teremos se todos se decidirem por viagens bem dirigidas ou direcionadas sob qualquer teor, principalmente porque escrever ou ler é muito mais difícil do que dirigir. Os sinais de trânsito tornam-se imagens simples perto dos sinais que o ler e o escrever nos exigem para uma boa direção na comunicação. Os horizontes que os textos são capazes de nos levar são infinitos perto dos caminhos reais que qualquer engenheiro de estrada possa projetar.

E o que falar então sobre as histórias? Puras magias! Podem ser as que aconteceram, as histórias reais que acontecem ou as de nossa imaginação: destino legítimo das múltiplas escolhas que podemos fazer com as letras ou representações, como os ideogramas.

E como é permitido viajar bastante com as palavras me atrevo a escrever que chegará o momento em que para se conseguir uma habilitação de motorista os candidatos deverão conhecer Grande Sertão Veredas, O Continente (1, 2,3), Bagagem, O Vôo da Palavra, Meu pai Quase Memória, O Texto ou: a Vida, os Segredos da Ficção, Rino, de Cabeça Para Baixo, Perdas e Ganhos e muitos outros livros que deveriam ser lidos para se respeitar a vida.

Para entender a falta que uma pessoa amada faz pela conseqüência de ainda não termos decorado a lei de trânsito que nos lembra que “se beber não dirija”, além de ler publicações que contam estas histórias, como Relato de Um Amor, nós candidatos deveríamos ter o compromisso de escrever mensalmente redações sobre estes livros, e enviá-las aos setores responsáveis pela renovação de nossas carteiras e de preferência redações feitas... de “próprio punho”!

24 de Julho de 2008.

terça-feira, 22 de julho de 2008

ISA 5252



Nascida a oito de julho de 1956.
Eu aqui outra vez!

Isabel Cristina CCarvalho

ISA 5252 é a placa do meu carro preto comprado ano passado quando completei 51. E isso soa muito engraçado porque ou eu era uma boa idéia na época ou uma mulher à frente do meu tempo... ;))

Esta placa aconteceu após um assalto ao ISA 4747, um Ford pra lá de charmoso, branco e básico mas (detalhe) com quatro portas, quando eu era uma simples Isa de cinqüenta anos entre as palavras mata, não mata...E como não me mataram estou aqui, vivinha da silva contando as novas!

Neste recente oito de julho eu fiz jus à placa 5252, sem dízima periódica. É uma data carinhosa, produtiva, consciente da realidade e uma data calmíssima para as situações tensas que se apresentam no momento em minha vida.

Soube bem tarde da noite deste oito de julho, e por uma amiga muito querida, que segundo o calendário Maia só temos a chance de fazer renascer as energias do período de nosso nascimento aos 52 anos, como um giro galáctico para empreendermos nova missão de vida!

Como não tenho conhecimentos para concordar ou discordar das afirmações de minha amiga apenas confesso que me senti diferente neste oito de julho e sinceramente? Muito feliz! Teria cinco motivos concretos para estar triste neste meu aniversário, mas teria cento e cinqüenta motivos para estar infeliz se acreditasse nisto! O mundo é generoso, mas exigimos demais! A felicidade tem que estar andando por aí e não posso acreditar numa existência vã!

Segundo então os Maias estou no pós-parto e segundo as minhas lembranças sem Maias, sem mesmo nem os Incas me dando parabéns, estou na fase em que o planeta inteiro deseja renascer e para melhor. Precisamos de calma, de sons e cheiros naturais, de estradinhas íngremes e de valas, como as que percorri estes tempos visitando o Tiago Tenius, em Viamão, e ainda deixei marcas de barro impregnadas nas rodas e pára-lamas do ISA 5252, para me lembrar que preciso desurbanizar um pouco o meu cotidiano.

Preciso ficar menos igual, menos todo mundo, menos o mundo inteiro, menos desesperada pelas urgências dos tempos dos outros e quem nem são os meus. Menos! Entre o pára Isa ou o paraíso eu prefiro ficar com o meu tempo previsto e todas as minhas boas idéias dentro.

Até lá! Beijos!

E por gentileza, Cosco, anote as placas!

20 de julho de 2008

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Cenas de Viagens

Isabel Cristina CCarvalho



Leio a recente crônica dos relatos de Almiro sobre suas experiências de viagens e o que eu deveria tecer como breve comentário acabou virando uma outra crônica também. Almiro me lembrou de uma viagem de estudos que fiz a Amsterdã, há dez anos, junto a uma amiga e artista plástica, Marta Penter. Esta viagem daria uma coleção de crônicas, caso eu olhasse novamente as fotos e relembrasse nossas situações por lá, algumas emocionantes e outras bem divertidas. As duas situações concomitantemente dramáticas ou tragicômicas começaram na chegada a Amsterdã. Apesar dos passageiros estarem inquietos em holandês, Marta e eu apreciávamos os inúmeros moinhos de ventos da paisagem quando subitamente o céu escureceu e a inquietação passou a ser traduzida para o inglês, espanhol e outros idiomas. Entendemos que depois de taxiar por mais de uma hora o piloto pousaria na capital holandesa mesmo sob o temporal absurdo que caía, além do pequeno furacão que rodopiava pelo centro da cidade.

Apesar de alguma experiência como usuária de rotas aéreas confesso que não tenho conhecimento dos procedimentos adotados pelos pilotos em caso de problemas no ar. Meus problemas aéreos sempre foram em terra: atrasos em aeroportos, over book, perda de malas, cancelamento de vôo, vôos “sem teto”, deslocamentos para hotéis e outras coisas bem típicas. Neste caso o problema foi no ar mesmo e eu tive a impressão, pelo turbinar dos motores, que o piloto acelerou o avião para conseguir tocar a pista. Descemos entre o barulho de trancos, freadas e pancadas de objetos que caíram dos compartimentos abertos pelo impacto e a saraivada de aplausos com a qual os passageiros agradeceram ao comandante a descida arriscada.

Eu e Marta fomos as últimas passageiras a nos dirigir para a escadinha dianteira do avião, principalmente porque nos detivemos a perguntar às aeromoças sobre o que houve e também porque à frente de Marta seguia, pelo corredor, uma senhora robusta e trêmula. Quando finalmente chegamos ao meio da escadinha sob os olhares de dois ônibus na pista repletos de passageiros, a senhora se desequilibrou e caiu abrupta de costas sobre os pés de Marta que também caiu, como num jogo de dominó, sobre as minhas pernas. Eu só não caí de costas sobre as aeromoças porque elas sabiam que tudo podia acontecer a passageiros nervosos e permaneceram calmíssimas na porta da aeronave para qualquer emergência.

A cena não poderia ter sido mais absurda. Eu literalmente não sabia se ria da situação ou se chorava de dor, afinal eu tinha o peso de uma senhora gorda e o de minha amiga, magra Graças a Deus, sobre meu corpo. Mas sobrevivi sem maiores conseqüências. Marta recebeu uma forte batida nos pés, teve inchaços, hematomas e isso quase comprometeu nossa viagem.
Os motoristas dos ônibus foram embora e levaram a senhora gorda que passava bem quando viram chegar a ambulância destinada a nos atender. Até hoje eu não soube se a tal senhora causou mais algum atropelo no translado de ônibus até o terminal, mas jamais poderei esquecer os pés roxos e a carinha chorosa da Marta, no ambulatório do aeroporto de Schiphol, assustada, traumatizada, indignada em inglês, recusando-se a morrer de dor e contusão uma vez que tinha acabado de sobreviver a relâmpagos e furacão!

06 de julho de 2008

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Cafezinho com o embaixador

Almiro Zago

Há sempre alguém me mandando pela Internet, o que eu chamo, pequenos documentários com imagens de belos lugares famosos, ou nem tanto, seus monumentos e atrações pelo mundo afora. Se reunisse ao que sai na mídia, chegaria a imaginar fosse possível "fazer turismo" sem sair de casa, dado que pouco mais haveria no planeta cujo visual ainda não seja de todos conhecido. Além disso, páginas de revistas e jornais sobre viagens trazem fotos de leitores em lugares turísticos de todos os continentes. Presto mais atenção se, por acaso, exibem certos pontos onde eu também tenha estado. Isso sugere que seria só tirar ou inserir pessoas e as fotografias a todos serviriam, porém com diferentes significados para cada uma pela particularidade do olhar sobre o cenário e, quando não, pelos sentimentos e evocações despertados.

Esse diferencial, vezes há, reside nos encantos de mínimos fatos sucedidos ao turista, adicionando tempero peculiar a uma viagem. E ficam na lembrança com os acontecimentos de maior significado. Para insinuar uma idéia, e meu risco é alguém dizer que isso é bobagem, mas se ouço dizerem Frankfurt quase sempre a minha memória toca esta frase: "Está a faltar alguma coisa para os senhores?" Sim, faltava. Recém chegados ao quarto do hotel, de porta aberta, minha mulher e eu tentávamos ao telefone um jeito de nos entender com a camareira alemã para reclamar da falta de travesseiros. Foi bacana a coincidência de passar pelo corredor um moço português, empregado da casa, bem na hora que precisávamos de um intérprete.

Pequenas coisas, dessas que fazem a diferença, espreitam por toda parte. Veja, muitos podem ter admirado a mesma paisagem, por exemplo, da que foi a capital da Sereníssima República de Veneza, mas quantos perceberam a carícia da aragem da laguna, lá do alto do campanário da Catedral de San Marco? Ou quem, pelo mágico poder da imaginação, viu Marco Polo, voltando pelo Canal Grande com as especiarias e riquezas de sua viagem ao Oriente, no distante 1295?

Depois, a marca pessoal, quem sabe, venha do friozinho na espinha ao passear pela "piazza" em meio ao burburinho abafado pelo tanger dos sinos do "campanile", num cair de tarde. E, se ainda estiver na cidade dos Dogdes para o almoço no dia seguinte, curtir a inusitada companhia de sexagenário casal japonês, da mesa ao lado. Ainda que reduzido fosse, de parte a parte, o vocabulário em inglês.

- Por favor, poderiam bater uma foto de nós dois? -, pediu o sorridente marido.

- Pois, não.

Batida a fotografia, ergueram-se ambos e inclinados ligeiramente para frente nos disseram:

- Arigatô, arigatô.

Claro, em seguida, por um deles fomos fotografados. Agradecemos e eles, alçando-se de novo, polidamente repetiram "arigatô, arigatô".

Sorrimos, ensaiando imitá-los no gesto, mas...

- De onde são vocês?

- Do Brasil.

- Oh... Brasil, Rio de Janeiro, São Paulo, Amazônia, Manaus, Pelé...-, listou o homem, pois, antes de sua viagem, vira um programa de TV sobre o nosso país.

Por delicadeza, perguntei-lhes de onde eram, embora já trouxessem a resposta em seus rostos. E mais uma vez o gestual de cortesia com "Arigatô, arigatô", o muito obrigado deles. Veio o final do almoço e à despedida: "Arigatô, arigatô, goodbye"...

Por instantes, pareceu-me engraçada a cena, mas logo captei o privilégio dessa breve aproximação nipo-brasileira.

Uns 15 dias tinham-se passado e junho de 1995 começava. Agora, seria Lisboa a nos oferecer algo interessante e exclusivo, ainda que atração portuguesa nem fosse.

Parte do roteiro do que não se pode perder na capital lusa estava cumprido: a histórica Torre de Belém, o Mosteiro dos Jerónimos e sua arquitetura manuelina, o Monumento aos Navegadores - os mais corajosos homens do milênio, e o lendário rio Tejo, cuja foz e contornos continentais, do alto, fora a primeira e impressionante visão da Europa, ao chegarmos do Brasil. E para alimento do corpo e do espírito, já havíamos provado bacalhau com vinho tinto, sentindo a nostalgia do fado, além de visitar a Feira do Livro com suas barracas espalhadas num verde parque.

Pois, retornando de um rápido passeio ao Estoril, fizemos uma pausa no Shopping Amoreiras. Quando de lá saíamos, perto de uma cafeteria, nos deparamos com o Ex-Presidente Itamar Franco e acompanhantes. Foi bom tê-lo encontrado, pois a baixa cotação do dólar, iniciada em seu governo, facilitara nossa viagem. Por aqueles dias, finalmente, iria ele assumir a embaixada do Brasil em Portugal. Ao cumprimentá-lo, recebeu-nos com simpatia, curioso de saber se havíamos obtido câmbio favorável.

Deveria ser não mais do que um contato rápido, pois gente importante ou famosa sempre tem pressa. Mas Itamar Franco, bem ao contrário. Quisemos nos despedir, porém, incisivo ele nos reteve:

- Não, não, tomem um cafezinho conosco -, e dirigindo-se à sua comitiva: "Embaixador fulano, peça também dois cafezinhos para os nossos amigos brasileiros.

E fomos sendo apresentados ao pessoal, gente da embaixada e familiares. Amavelmente, tomou cafezinho conosco, conversando sobre assuntos brasileiros. Sim, saiu a foto em sua companhia.

Ao relembrar o episódio, devo confessar, bate-me um certo sentimento de culpa: nem fingi pôr as mãos no bolso para pagar o café. Tampouco, conferi se a despesa fora paga pelo embaixador interino ou por aquele que iria assumir.